quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

ainda sobre o nouvelle année

31.12:
ela chegou em SP as 6:30. tirou a roupa enquanto atravessava o apartamento e jogou-se na cama ainda desarrumada.
dormiu poucas horas. foi à garagem e seu carro estava sem bateria. aquela luz que vez ou outra acendia sozinha no interior do carro manteve-se luminosa enquanto ela viajava.
ainda de manhã sua amiga L.P. passou em casa busca-la e seguiram ao mercado municipal comprar lichias, cerejas, queijos e castanhas. era para a festa de mais tarde.

no final da tarde, ela não tinha mais vontade de comemorar o ano que entrava. esforçava-se para entender porquê as pessoas soltam rojões barulhentos e animam-se tanto com uma mudança de calendários.

foi atacada por uma barata. parece piada, mas não é. a trancou num canto.

não sabia o que vestir.
está mais magra, 5 kgs.
escolheu um vestido plissado, de seda. um vestido que tem mais de 30 anos e deveria ser usado na hora de dormir. mesmo com a sua coleção de camisolas da década de 1970, este modelo ela só usa em festas.

recebeu elogios. e foi a escolhida pelo cara que já havia bebido demais. foi rude. seu amigo e ex-alguma-coisa, mestre em palavras secas, até sentiu pena do moço. ela achou que foi pouco grosseira.

seus amigos perguntaram algumas vezes durante a noite, "esta tudo bem?". ela dizia que sim. mas não estava.
ela estava feliz, mas faltava alguma coisa.

sorriu. deliciou-se com o melhor bolo do mundo, o de verdade, da L.P. e sentiu-se feliz em ver o brilho nos olhos de um amigo que olhava admirado os fogos de artíficio.

***

01.01:
recebeu uma mensagem inusitada no celular.
achou melhor não responder. mas logo em seguida o telefone tocou. tocou de novo. ela prefiria o silêncio, mas atendeu.
o moço pedia para que ela cuidasse dele.
os cuidados que ela tem por ele são outros.
é honesta com ele.

foi almoçar com sua amiga. salada mediterrânea e bolinho de bacalhau.
um amigo ligou e foi ao encontro das duas. entraram no unibanco, dois minutos após o início de a culpa é do fidel. de lá foram ao frevo, falaram de suas infâncias, de gente pequena, de pensamentos castrados, de sociedade doente e de amores.

encerrou a noite com um café com L.P. no vila bahia.

***

02.01:
acordou logo depois das 6. com um bom humor quase contagiante. estava radiante. por isso, colocou o novo vestido ball's roxo, que ganhara da amiga. nos pés o all star dourado, aquele que quase não usa porque o couro ainda não está molinho e lhe rende bolhas nos calcanhares.

achou uma delícia trabalhar no prédio quase vazio. na cidade quase vazia.
passava das 16 h quando seguiu à rua augusta. chovia muito e o céu escurecido era iluminado por fortes raios e estrondosos trovões.
os raios maiores faziam com que ela afastasse o guarda-chuva de sua cabeça e olhasse sorrindo para cima. ela gosta de chuva. e principalmente de raios.
entrou em seis ou sete lugares em busca de um almoço. nada lhe agradou. até que foi ao arábia. restaurante vazio; mesas sem toalhas. só havia outra mesa ocupada, por um empresário de jogador de futebol.
ela pediu um chá gelado de hortelã e meia porção de fatouche. adora a combinação dos temperos com as sementinhas de romã.
L.P. foi ao seu encontro e as duas seguiram ao suplicy. e depois ao belas artes, onde assistiram em paris. ela achou o filme pretensioso.

ela quase ligou ao amigo que lhe enviara a msg estranha.
queria dizer-lhe que se pudesse controlar seus sentimentos, escolheria apaixonar-se perdidamente por ele. mas não pode oferecer o que ele quer, não seria honesto, nem com ela mesma, nem com ele.
optou pelo silêncio.
falara demais nos últimos meses.

decidiu silenciar-se por um tempo.
não quer preencher espaços.
quer mais dias como os de hoje. dias chuvosos, com ella fitzgerald cantando no carro.