sábado, 16 de fevereiro de 2008

da noite anterior

ela fez uso de uma licença poética para dizer-lhe como via a relação dos dois.
disse-lhe que carregava um punhado de areia na mão.
que ela se esforçava para transformar em cimento.
mas ora ou outra a areia escapava por entre seus dedos.
por mais que apertasse a mão, segurasse aquele punhado, cuidasse, ...
os grãos escorregavam.

ontem ela lhe disse:
- sabe aquele punhado de areia?
- sei.
- abri a mão e te ajudei a assoprar.
- me ajudou?
- é. você assoprou com uma força tão grande que me fez abrir a mão e assoprar com você.
- e onde foi parar?
- eu não sei. o ventou deu a direção. e este vento saiu dos teus pulmões.
- e o que caiu no chão? você juntou a sujeira com uma pazinha?
- não era sujeira.
[silêncio - ela procurava a palavra que escapou. na sua mente visualizava um apanhado com textura de talco, sem aquele cheiro enjoativo, num tom leve, quase um algosão doce. via ainda um brilho perolado, quando ele disse:]
- era muito sutil.
- era.
- e verdadeiro. ficou em volta de você, no ar?
- eu não sei.
- pode estar em volta.

[eles se olharam. e ela insistiu para que seus olhos não marejassem. ela não podia mostrar a ele que um ou dois grãos restavam em sua mão, como se tivessem se encaixado nas linhas da palma da mão].

assim ela pontuou o fim.
não se dispunha mais a oferecer o amor maior do mundo que dentro dela caleja.